Mainumby III - 2011
Associação Comunitária Monte Azul -
Centro de Formação de Educadores Sociais
Relatório de observação de 4 horas.
Observador: Ivan Leite
Data: 28 de junho de 2011
O AMBIENTE:
A Associação Comunitária
Monte Azul tem sua sede na Av. Tomas de Souza, 552 em São Paulo. Ela fica ao
lado da favela Monte Azul, onde os educadores atuam junto à comunidade carente
fazendo uso dos princípios da Pedagogia Waldorf. As dependências são compostas
por um pátio social, salas-ambientes, cozinha, salas de administração,
banheiros, anfiteatro entre outros espaços.
A sala-ambiente, local principal deste relatório de observação, é grande e formada por uma porta de entrada, paredes pintadas de cor clara (pêssego); janela grande, onde entra a luz principal do ambiente; Forro de madeira e chão em cerâmica.
Num primeiro ambiente,
logo à entrada da porta, à esquerda, observa-se três mesas grandes de madeira
revestidas em fórmica de cor gelo, onde são feitas as atividades do dia e as refeições.
Ao lado, grandes armários de madeira onde são guardados materiais de aula, trabalhos
manuais, utensílios para alimentação e outros objetos. Verifica-se que todos
esses objetos são organizados e dispostos em divisões separadas umas das
outras.
Num segundo ambiente mais
ao fundo da sala, à esquerda de quem entra, Observa-se uma espécie de local de
reuniões formado por cadeiras de madeiras em formação de círculo, local esse, onde
são realizadas as orientações das atividades do dia, as orações e serve também como
um ambiente de espera entre uma atividade e outra.
Num terceiro ambiente
mais ao fundo, à direita de quem entra, há uma pia com torneira que serve para
lavar as mãos; lavar materiais usados nas atividades; lavar pratos, copos,
talheres e louças em gerais. Sob a pia duas bacias plásticas grandes que auxiliam
na limpeza dos utensílios utilizados nas refeições. Próximo a pia uma mesa de
madeira pequena para dispor esses objetos.
Na parede, à direita de
quem entra mais ao centro há uma lousa verde para uso diverso.
Observa-se de forma geral
um ambiente de boa conservação, limpo, arejado e adequado para as atividades
que se dispõe.
O RITMO:
O ritmo do dia começa às
08h00min com o acolhimento dos educandos pela educadora (Elisete), quando é
feita uma oração matinal; um ritmo corporal e um bate-papo sobre o dia
anterior. Na sequência são contadas as pessoas presentes e escolhidos os
ajudantes do dia para buscar as refeições, três para o café e três para o
almoço. Logo são preparadas as mesas
para um “café” da manhã, momento em que todos sentam, fazem uma oração e em
silêncio comem.
Após todos lavarem
individualmente seus copos, pratos e talheres utilizados na refeição matinal, alguns
pegam os trabalhos manuais (tecelagem de cachecol) iniciados em outras aulas,
encaminham-se para o espaço em círculo e dão sequência a eles, outros que já
terminaram seus trabalhos em aulas anteriores conversam e observam-se entre si.
Às terças-feiras, a
atividade principal é pintura. A educadora (Susanne) ensina-os a fazer o desenho
de um leão. Ela apresenta aos educandos o modo de fazê-lo, demonstrando os
traços necessários para ser feita a cabeça, a juba e o peito dele. Eles dirigem-se
às mesas; fazem um rascunho para treinar os traços e depois pintam
definitivamente com pincel e tinta em Canson.
Ao terminarem, limpam as
mesas, guardam os materiais não usados no armário, lavam os pincéis e os
frascos de vidros utilizados na atividade.
Na sequência há um
intervalo no pátio social, onde todos os alunos descem e entram em contato com
outros educandos de outras salas. Após o intervalo todos sobem novamente para a
sala de atividades.
Em seguida alguns
educandos começam uma sequência de providências para ser servida a última
refeição do dia. Uns organizam a disposição dos pratos, copos e talheres nas
mesas e outros vão até a cozinha pegar a comida que será servida a todos. Colocam
uma porção de comida em cada prato e quando tudo está pronto é que todos
sentam, para iniciar a comer.
Enquanto a comida está
sendo servida, os outros aguardam sentados no espaço onde as cadeiras estão em
círculo. Conversam, brincam entre si ou ouvem o voluntário (Helmut) tocar
violão.
Antes de comerem, fazem a
oração das refeições, todos de mãos dadas, para depois iniciar a comer. Todos
comem em silêncio.
Terminada a refeição, todos
lavam seus pratos, copos e talheres, enquanto outros são responsáveis pela
lavagem das panelas, fôrmas e talheres que foram usadas para servir e
acondicionar os alimentos.
Ao meio dia se encerram
as atividades do dia com uma oração de despedida, cumprimentam-se uns aos
outros e saem.
Observa-se que todos os
educandos conhecem os ritmos estabelecidos pelas educadoras tanto em termos de
horário, como de responsabilidade na hora de limpar e organizar a sala para a
próxima atividade, mas mesmo conhecendo o ritmo daquilo que eles devem fazer,
às vezes, a educadora (Elisete) precisa reeducá-los em algumas coisas que eles poderiam
fazer de forma mais eficaz.
AS RELAÇÕES:
No âmbito das relações de
convivência das educadoras (Elisete e Susanne), bem como, o voluntário (Helmut)
com os educandos, observei uma relação de respeito mútuo.
A educadora (Elisete) se
portou em relação aos alunos como alguém que acolhe, acompanha, educa, chama a
atenção e encaminha. Observei que a educadora (Elisete) fez tudo isso de forma
consciente e responsável. Observei, também, que a educadora estava sempre
atenta às atividades da sala para que seguissem seu ritmo normal.
Considerando minha
presença como algo que poderia interferir na dinâmica do grupo, observei certa
“distância” dos alunos em relação à educadora (Elisete), que me explicou se
tratar de uma turma que ainda está em adaptação em relação a ela, pois pegara a
turma no mês de maio passado.
Observei que os educandos
se respeitavam mutuamente, duas meninas conversavam e teciam; dos cinco rapazes,
dois deles, quando não estavam fazendo as atividades principais, brincavam de
“lutinha”, se empurravam e riam entre si, ações consideradas comuns da idade
(entre os 13 e 15 anos). Observei colaboração entre eles.
No pátio social, a
convivência dos educandos da sala observada com os alunos de outras salas se
deu de forma respeitosa e social: conversas, risadas e integração.
CRONOLOGIA DA MINHA VIVÊNCIA:
Minha vivência como
observador iniciou-se com o acolhimento da educadora (Elisete), que me
apresentou aos educandos e ao voluntário (Helmut).
Logo após a apresentação,
todos nós de mãos dadas fizemos uma oração matinal:
Senhor, o novo dia está
nascendo e é com teu abraço que quero iniciá-lo. Abençoe-me neste amanhecer e
me proteja ao longo de todo este dia. Que tudo que eu fizer até ao anoitecer
seja na tua presença e seguindo os teus ensinamentos. Para que eu possa estar
fortalecido e poder enfrentar confiante todas as dificuldades que eu encontrar
nas diversas atividades que hoje desempenharei.
Após a oração, fizemos um
exercício de ritmo corporal e sentamos para um bate-papo. A educadora (Elisete)
explicou-lhes o objetivo da minha vivência e passou a palavra a mim. Disse-lhes
que era da cidade de Santo André, falei que era professor de Língua portuguesa em
uma escola estadual, que ela ficava ao lado da Represa Billings, que era uma
comunidade carente na minha cidade. Disse sobre a minha necessidade de vivência
de 4 horas naquela sala de aula e que iria acompanhá-los por toda aquela manhã.
Logo após essa pequena
apresentação sentamos à mesa e de mãos dadas fizemos uma oração antes de
comermos:
Germinam
as plantas na noite da terra
Brotam
as ervas pela força do ar
Amadurecem
os frutos pelo poder do sol
Assim
germina a alma no relicário do coração
Assim
amadurece a força do homem no fulgor de Deus.
Tomamos chá, comemos bolo, batata doce e manteiga. Na mesa do
café me senti sem jeito e fiquei observando o que cada um fazia para eu poder
acompanhá-los, mas o silêncio me deixou mais sem jeito ainda, pois tinha pouca
convivência com todos e me senti observado.
Após o “café” me juntei as educandas que faziam tear e quis
saber o que era e como faziam, elas me explicaram; levantei e fui buscar com a
educadora (Elisete) informações sobre a turma. Ela me disse que era uma turma
mais numerosa, que ali tinha apenas uma parte dos educandos, pois já estava
iniciando o período de férias e nessa época poucos frequentavam. Enquanto
conversávamos, fiquei observando o jeito dos jovens conversarem e brincarem. A
educadora me informou, que as mães matriculavam seus filhos para que eles não
ficassem sozinhos em casa dormindo ou livres nas ruas sujeitos aos perigos da
violência e do tráfico, pois é uma idade em que isso acontece.
Participei ativamente da atividade de pintura, desenhei o
rascunho do leão, depois o pintei em tinta preta. Enquanto pintava, observei que
os educandos faziam a atividade artística com vontade e prazer e demonstraram uma
relação de carinho e atenção em relação à educadora (Susanne), que com paciência
e determinação ensinava-os a pintar.
Desci com a educadora (Elisete) para o intervalo e comentei
com ela algumas impressões sobre alguns alunos. Percebi que um dos jovens usava
aparelho dentário (tratamento que considero caro para alguns padrões
familiares), mas ao mesmo tempo ele estava naquele dia frio de chinelos.
Perguntei à educadora (Elisete) se ele não tinha condições de ter um calçado,
ela me disse que ele tinha, sim, mas não estava usando naquele dia. Percebera
que um dos jovens não a respeitava, pois sempre ela estava chamando a atenção
dele; ela me disse que já havia conversado com a mãe dele, mas que a mãe
dissera estar com dificuldades em colocar limites nele.
Ao voltar para a sala de aula, enquanto esperávamos a
preparação das mesas para o almoço, fiquei sentado no local onde as cadeiras
ficavam em círculo e ouvi o voluntário (Helmut) tocar violão, perguntei-lhe algumas
coisas sobre seu estágio na Monte Azul, pois ele viera de uma região da
Alemanha para essa vivência de voluntário, e me contou, entre outros assuntos, que
tinha 20 anos, que seu professor Waldorf na Alemanha tocava bastante violão nas
aulas, que em julho estaria retornando ao seu país, pois já estava terminando
seu período de estágio no Brasil.
Enquanto ouvia o voluntário (Helmut) tocar violão, perguntei
aos educandos do meu lado se eles aprendiam a tocar algum instrumento na Monte
Azul, um deles me disse que tocava violino.
Pronto a mesa para a refeição, sentamos, fizemos a oração das
refeições de mãos dadas:
Germinam
as plantas na noite da terra
Brotam
as ervas pela força do ar
Amadurecem
os frutos pelo poder do sol
Assim
germina a alma no relicário do coração
Assim
amadurece a força do homem no fulgor de Deus.
Iniciamos o almoço em silêncio e comemos: arroz, feijão,
creme de abóbora e salada. Terminado o almoço, lavamos nossos pratos, copos e
talheres e fiquei observando que um deles ficou responsável por lavar os
utensílios que foram usados para acondicionar as comidas servidas.
Ao meio dia encerraram-se as atividades do dia com uma oração
de despedida. Todos nós de mãos dadas repetimos:
A terra,
a água, a planta e a pedra, o céu dirige seu olhar em tudo, tudo penetrando a
tudo, tudo abençoando; Aos céus o homem se ergue levantando o seu olhar, em uma
prece agradecendo, por tudo que está acontecendo. Nós somos mais que uma planta
adormecida, porque Deus criador doou o andar ereto ao nosso corpo; Somos mais
que uma pedra morta, porque Cristo inspira nossos corações; Somos mais que um
animal sonhador, porque o espírito com seus pensamentos iluminam nossas cabeças.
Terminada a oração, todos os educandos me deram a mão se
despedindo com um bom dia e saiam. Despedi-me do voluntário (Helmut) e agradeci
à educadora (Elisete) pela oportunidade de estar ali com ela naquela manhã e
saí.
Ivan
Leite – 08 de agosto de 2011 – Inverno – 21h45min
Revisão
final:04.09.2011 – 11h56min
3 comentários:
Muito bom seu relato Ivan, aqui tenho vários amigos professores que trabalham com esta pedagogia, mais na minha escola não tenho nenhum, gostaria que tivesse. Trata-se de outra forma de ver o mundo e os alunos. Estou lendo e pesquisando a algum tempo para um livro sobre a compreensão das diversas formas de espiritualidade e notei que você citou no texto muitas orações, cuja letra e o sentido compõe uma educação sistêmica e integral da criança em meu entendimento. Abraço.
Caro, Sr. Joaquim, você está correto nas suas observações. Nessa pedagogia, o aluno é respeitado nas suas fases de desenvolvimento,que carregam, cada uma delas, uma necessidade e também o aluno é visto com um ser integral:corpo físico,corpo vital, corpo emocional e espírito.Um abraço.
Olá Ivan,
Parabéns pela vivência! Sou professor da Escola Aitiara de Botucatu, uma Escola Waldorf na zona rural. Trabalho há 27 anos nesta escola e sou amigo da Delfiol e do Joaquim! Abraços, Silvio.
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