Ivan Leite
Ricardo Lísias publicou seu primeiro livro: “Cobertor de estrelas” em 1999, pela editora
Rocco. É romancista, contista, palestrante e professor universitário. Já foi
indicado e finalista de vários prêmios literários e ganhou em 2013 o prêmio
APCA de literatura pelo romance “O céu
dos suicidas”, editora Alfaguara, 2012.
O escritor possui uma narrativa forte e instigante, além de
uma linguagem apurada e inteligível. Percebemos, estilisticamente, uma escrita construída
com frases curtas, que faz com que a leitura transcorra rapidamente. Em seus
textos, encontramos uma consciência ética muito forte, uma ironia sutil e
cortante, temas e reflexões relevantes, tudo isso, combinados em situações originais
que causam um grande prazer ao leitor. “É arte literária”, como ele mesmo diz
em suas entrevistas.
Em seu último romance, “Divórcio”, editora Alfaguara, 2013, o
narrador, nomeado Ricardo Lísias, nos transporta a um clima tenso e sufocante e
nos faz segui-lo na sua aflição sentida depois da separação de sua ex-mulher,
uma jornalista de cultura, após quatro meses de casamento. Leva-nos, também, a pensar
sobre até que ponto nós podemos confiar cegamente numa relação a dois, quando
se está apaixonado, mas a outra parte não está sendo ética com você. Em segundo
plano, o romance vai nos mostrar e nos fazer refletir sobre o submundo, nada glamouroso,
dos jornalistas.
No romance Divórcio,
todos os capítulos são estruturados em quilômetros, quinze para ser exato, percurso
de uma tradicional corrida de final de ano em são Paulo, a São Silvestre. Cada
quilômetro percorrido serve para o narrador contar sobre sua dor física, sua
vitalidade, suas emoções e seu caminho percorrido para retomar a sua
consciência após ter passado pela situação traumática de ter encontrado o diário
de sua ex-esposa e lido, que ela o traíra,
quarenta dias depois do casamento, com um cineasta e jurado do Festival de
Cinema de Cannes em 2011.
O corpo como metáfora
viva
Nas obras de Ricardo Lísias, o corpo ou as partes dele são usadas
metaforicamente de forma muito forte. Percebemos isso já em seu primeiro
romance, Cobertor de estrelas, a
repetição “pés pretos” da personagem do menino de rua é usada metaforicamente
para despertar no leitor a consciência do descaso das autoridades públicas em
relação aos menores abandonados e representa, também, o grito indignado do
narrador diante de uma sociedade que não vê ou não se importa com os pés sujos e
descalços de um menor sem amparo nenhum.
Na novela Capuz,
texto publicado no livro: Anna O. e
outras novelas, editora Globo, 2007,
é a cabeça que serve como metáfora. Na
narrativa, a personagem está o tempo todo coberto por um capuz e presa num
quarto como se fosse um animal de zoológico. Metaforicamente o capuz representa
o sufocamento alienante das pessoas diante da sociedade e por outro lado, o
quarto representa a limitação do ser humano diante do mundo na esperança de que
as coisas mudem. A personagem não reage diante de seu aprisionamento, pois
acredita que a qualquer momento tudo vai mudar, mas não muda. Como ele não sabe
por que vive e morre, aceita o pouco da vida e se convence que esperar é a
solução.
O corpo como metáfora viva daquilo que se quer comunicar
continua em Divórcio. Agora é a pele,
órgão mais extenso do corpo humano. A personagem Ricardo Lísias está em carne
viva. O trauma o descarnou. Toda sua dor interna chega ao limite do corpo
externo. Metaforicamente, a dor que sente na alma se transporta para os limites
extremos de seu corpo e o faz perder o contato com a realidade. Para
restabelecê-la, ele corre. Corre para
que a dor física seja maior que a emocional. Ele faz aquilo que os atletas
fazem, exercitam seus corpos para se sentirem vivos, são.
No final a serenidade do narrador é restabelecida, percebemos
isso quando o narrador mostra seu lado criança ao comemorar a chegada ao final
do percurso da São Silvestre. A personagem Ricardo Lísias chega pronto para
viver, pronto para mais um novo ano, chega como alguém que espera os fogos da
meia noite e comemora o renascimento de um novo dia, nova chance em um novo
passo. “Só morro mais uma vez”. Chega fortalecido. Chega a si mesmo e nos leva
a formular a seguinte máxima: continue
correndo para se sentir vivo mesmo com as cicatrizes abertas, essa é a mensagem
mais positiva da leitura.
Ivan Leite – Santo André – 09 de fevereiro de 2014 – verão –
11h45- final
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